18 de dez. de 2009

Receituário para as dores do mundo

Hoje me deu uma saudade... Que veio não sei de onde, sem avisar, de uma época doce e de pessoas que já não estão mais nesse mundo, em especial dos meus avós. Talvez a época. Lembrei de um fato da minha infância, que me fez refletir. Saudade de quando era simples curar as dores com um beijinho ou com uma promessa de que “quando casar sara”.
Lembrei de quando cortei meu dedo polegar. Bem na ‘geminha’ do dedo... Lá naquele lugar onde dói
bastante e sangra muito... Sabe? Eu estava tomando um refrigerante e a garrafa escorregou da minha mão. A toalha branca ficou toda manchada de laranja. Sangrou bastante, e como característico de criança com dor, fiz um escândalo e chorei muito. Todos vieram acudir, enrolaram meu dedo e pra me consolar diziam “Tá, tá, tá... Vai passar. Não foi nada". Mas eu achava estranho, pois continuava doendo e não passava. Aquele corte rendeu vários curativos, que só deixava meu avô fazer. Só ele tinha permissão. Na mesa de azulejo no pátio da casa dele, me chamava e dizia: “Vamos trocar as fraldas do dedo?”. Ele limpava com cuidado, trocava a gaze e o esparadrapo. No final dava um sorriso e dizia “Viu, não doeu nada. O dedo, agora, está de fralda nova”. E eu logo saía correndo pra brincar. Mas se depois eu fizesse algo que arrancasse a ‘casquinha’ da ferida, voltava a doer e eu de novo chorava.
Na infância me machuquei algumas vezes. Nada sério, nunca quebrei nada, mas me batia muito andando de bicicleta e correndo. Normal, fui uma criança sadia e tive uma infância feliz.
Na vida adulta por vezes também levamos uns ‘esfolões’, ‘supetões’, etc. As feridas não ficam tão à mostra, mas algumas são bem profundas. No mundo dos adultos não podemos expor tanto o que dói. Fazemos-nos de fortes e tocamos em frente, afinal somos adultos. Mas se alguém mexe na ferida, é que nem tirar a ‘casquinha’, a danada da dor volta. Quando é alguém que gostamos, dói mais ainda. Quando eu ficava chateada por que uma amiga fazia algo que me deixava triste, minha avó paterna pra me consolar dizia sua célebre frase “Deixa minha filhinha... Não queira mais ela...”. Essa frase até virou uma piadinha interna na família.
O fato é que cresci. É eu sei... Sem piadinhas, ok? Aos bobalhões que pensaram em dizer que ainda sou pequena, porque só conseguem ver minha estatura ou os que adoram me provocar com essa questão da altura: a maturidade veio, apesar dos pesares... E quero acreditar que cresci em responsabilidades e atitudes... Eu cresci, sim! E agora, nessa fase não adianta só trocar os curativos, nem ignorar quem nos fez mal. Temos que aprender a conviver e transmutar as dores do mundo. A dor é inevitável no crescimento, mas o sofrimento é opcional. Aí, lembro de uma frase da minha mãe: “Deu de choro. Não vai sair as tripas por esse cortezinho de nada”.
A raça humana é boa em arrumar paliativos. Sempre achamos desculpas. Parei de procurar desculpas e descobri a terapia. Muita gente não gosta, porque é mexer na nossa caixinha de Pandora. Mas eu achei bom, muito bom! Além disso, sempre tem um poeta amigo, companheiros na dor, que deixaram algum escrito, alguma música, algum desses remedinhos que “curam e acalmam”, “aliviam e temperam”. É neles que me curo. Neles, nos amigos, na família e no que há de belo na vida. Mudando a sintonia, mudamos os efeitos colaterais. A receita tem dado certo. Cada um tem a sua. Essa é a minha. Recomendo.

4 comentários:

Anônimo disse...

Pois é minha querida...li...e...o bom ..é que gostei e muito...fico feliz em saber dessas minucias de tua vida...em que sou um pouco "culpado"...pois desde a minha solteirice tu já povoavas os meus pensamentos e já tinha até o teu nome escolhido isso muito,muito antes de tu nascer...quando encontrei a razão da minha vida na minha frente sabia que chegarias em breve...e chegaste...trazendo mais felicidade a estes seres que aoa teu lado aprenderam, amadureceram e aqui estão a ler teu receituário...lembranças são ótimas em nosso palmilhar...pois nos dizem que temos história, história real e verdadeira como esta aque aqui comentas...só agradeço ao Pai Maior me ter dado a oportunidade de estar ao teu lado...bj na tua alma...e sinto em teus escritos que estar não sóa crescendo como SER mas EVOLUINDO...em todos os sentidos...

Stella disse...

Resposta:
Oi, véio. Que bom que gosto. Fico feliz que ache que estou evoluindo, afinal esse é o destino de todos nós. Olho pra trás e consigo ver alguma evolução... E gosto disso. Acho bom.
Bjs,

Dilso J. dos Santos disse...

Ótima receita! Com esse seu receituário pude criar uma farmácia para relativizar mais minhas dores. Nostálgico e sensível esse seu remédio. Música do silêncio, oximoro já gasto, mas resume o que pensei. Adorei!

Stella disse...

Resposta:
Pois é, Dilso... Todos temos uma farmácia. É só querer usar. Até o momento não tenho o que reclamar da minha. Sempre encontro um bom conselho numa página, numa tela, numa melodia...
Obrigada pelo comentário. Espero que continua voltando.
Abraço.